Mais uma vitória na luta: Suspensão do despejo de 130 famílias da Ocupação Vila da Conquista em Belo Horizonte, MG

Mais uma vitória na luta: Suspensão do despejo de 130 famílias da Ocupação Vila da Conquista em Belo Horizonte, MG

Fotos: Coordenação da Comunidade Vila da Conquista, em BH-MG, dia 08/04/23

Dia 12 de abril de 2023, conquistamos a suspensão do despejo de 130 famílias da Ocupação-Comunidade Vila da Conquista, no bairro Ventosa/Havaí, na zona oeste de Belo Horizonte, MG. Trata-se de uma Comunidade com oito anos de luta e já totalmente consolidada. Oito anos atrás ocuparam um terreno abandonado, um lixão, propriedade que não cumpria sua função social e ainda com indícios de irregularidades na cadeia dominial da propriedade. Toda a região oeste de Belo Horizonte foi palco de grilagem de terras. Em oito anos a Comunidade se consolidou e hoje todas as casas estão construídas com moradias de um, dois, três e até quatro andares. A rua do Grotão, ao lado da Comunidade da Vila da Conquista, é rua asfaltada. Existe na rua do Grotão a Creche Sementinha, que acolhe dezenas de crianças da Comunidade. Todo o povo da Comunidade é atendida no Posto de Saúde da Ventosa/Havaí. Há várias famílias já pagando contas de energia da CEMIG e contas de água da COPASA.

Entretanto, um juiz de 1ª instância mandou reintegrar na posse (despejar as 130 famílias) a Construtora Lima Drummond, ignorando várias decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que proíbem despejar Comunidades consolidadas e ignorando também decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, na ADPF 828, determinou que todos os Tribunais estaduais e federais criem Comissões de Conflitos Fundiários e que antes de despejar o caso em conflito deve passar por esta Comissão do TJMG, já criada, fazer visitas in loco, produzir relatórios sobre a situação das famílias, discutir alternativas e encaminhar propostas que evitem a realização de despejo. Porém, o advogado da Comunidade Vila da Conquista, Dr. Élcio Pacheco, entrou com Agravo de Instrumento muito bem fundamentado e o desembargador Dr. Newton Teixeira, da 13ª Câmara Cível do TJMG, proferiu decisão suspendendo o despejo (reintegração de posse) da Ocupação Comunidade Vila da Conquista e enviando o processo para o CEJUSC (Central de Conciliação do TJMG), em 2a instância do TJMG.

No caso da Ocupação-Comunidade Vila da Conquista, o justo, ético e necessário é o prefeito de Belo Horizonte, Fuad, desapropriar a área da Ocupação Vila da Conquista e fazer REURB-s (Regularização Fundiária e Urbana Social) na Comunidade garantindo a vida digna e paz para as famílias. Em Comunidade consolidada não se pode falar em despejo, pois, enfatizamos, na Comunidade tem ruas organizadas, várias famílias pagam contas mensais da COPASA, há coleta de resíduos sólidos, há CEP na rua do Grotão, rua ao lado da comunidade. As famílias são atendidas nos postos de saúde, UPAs e hospital da cidade de Belo Horizonte. As crianças e adolescentes estudam em escolas municipais e estaduais. Trata-se de um bairro em franco processo de consolidação.

Temos muitos exemplos que podemos citar de casos parecidos com o da Ocupação Vila da Conquista em que o Estado reconheceu a Comunidade e o despejo não aconteceu. Por exemplo, em abril de 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial 1.302.736, confirmou decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que negou reintegração de posse contra Ocupação que tinha se tornado bairro em Uberaba, MG.

A justiça mineira reconheceu, após tantos anos de disputa judicial,  que diante da existência de inúmeras edificações e moradores no local, não seria justo decidir pelo despejo das famílias e negou o direito à reintegração de posse em prevalência do interesse público, social e coletivo. A decisão judicial de reintegração foi convertida em perdas e danos a ser paga em dinheiro. Em voto repleto de doutrinas, teses e precedentes, o ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, discorreu sobre os princípios da proporcionalidade e da ponderação como forma de o Judiciário dar aos litígios solução serena e eficiente. O ministro relator ressaltou que “o imóvel originalmente reivindicado não existe mais, já que no lugar do terreno antes objeto de comodato surgiu um bairro com vida própria e dotado de infraestrutura urbana.” Segundo a decisão do STJ, não pode ser desconsiderado o surgimento do bairro, onde inúmeras famílias construíram suas vidas, sob pena de cometer-se injustiça maior a pretexto de fazer justiça.([1])

Outro caso julgado pelo STJ é o do Acórdão da Favela do Pullman, em Santo Amaro, SP, que inicialmente era área destinada a um loteamento, mas foi ocupada pouco a pouco e se tornou um bairro em franco processo de consolidação e o Poder Judiciário reconheceu ao final o “perecimento do direito à propriedade”, ou seja, negou o direito de reintegração. Em 2005, o ministro do STJ, Aldir Passarinho Júnior (Relator) decidiu negar a reintegração de nove lotes com 30 famílias na Favela do Pullman. Na decisão, o ministro Aldir afirma: “Trata-se de favela consolidada, com ocupação iniciada há cerca de 20 anos. Está dotada, pelo Poder Público, de pelo menos três equipamentos urbanos: água, iluminação pública e luz domiciliar. Fotos mostram algumas obras de alvenaria, os postes de iluminação, um pobre ateliê de costureira etc., tudo a revelar uma vida urbana estável. No caso da Favela do Pullman, a coisa reivindicada não é concreta, nem mesmo existente. É uma ficção. Os lotes de terreno reivindicados e o próprio loteamento não passam, há muito tempo, de mera abstração jurídica. A realidade urbana é outra. A favela já tem vida própria, está, repita-se, dotada de equipamentos urbanos. Lá vivem muitas centenas, ou milhares, de pessoas. Só nos locais onde existiam os nove lotes reivindicados residem 30 famílias. Lá existe uma outra realidade urbana, com vida própria, com os direitos civis sendo exercitados com naturalidade. A realidade concreta prepondera sobre a ‘pseudo-realidade jurídico-cartorária’. Segundo o art. 77 do Código Civil, perece o direito perecendo o seu objeto. E nos termos do art. 78, I e III, entende-se que pereceu o objeto do direito quando fica em lugar de onde não pode ser retirado. Razões econômicas e sociais impedem a recuperação física do antigo imóvel. O desalojamento forçado de trinta famílias, cerca de cem pessoas – na Favela do Pullman -, todas inseridas na comunidade urbana muito maior da extensa favela, já consolidada, implica uma operação cirúrgica de natureza ético-social, sem anestesia, inteiramente incompatível com a vida e a natureza do Direito. É uma operação socialmente impossível. E o que é socialmente impossível é juridicamente impossível. Em cidade de franca expansão populacional, com problemas gravíssimos de habitação, não se pode prestigiar o comportamento de proprietários que deixam o terreno abandonado sem cumprir sua função social e depois exigem judicialmente reintegração de posse.”

Tal julgado do STJ é inclusive citado pelo TJMG, que em julgamento de recurso (nº 1.0024.13.304260-6/001) envolvendo as ocupações da Izidora, em Belo Horizonte, registrou que o direito de propriedade deve ter correspondência no atendimento à função social, que lhe é inerente, de maneira a buscar a proteção da dignidade humana, fundamento da República (art. 1º, III, da Constituição Federal). Concluiu o desembargador Correia Júnior que prevalece o postulado da dignidade humana em se tratando de questões que envolvem a coletividade da população, mormente por se tratar de desocupação de casas, em que vivem idosos e crianças, com o uso prematuro e inadmissível da força policial, não devendo ser concedida ordem de despejo que favorece o direito de propriedade com violação aos direitos fundamentais.

Enfim, há várias decisões do STJ que proíbem despejo de comunidades consolidadas como o caso da Comunidade Vila da Conquista. Mais uma vitória nossa na luta. A Ocupação-Comunidade Vila da Conquista é acompanhada pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT-MG) e conta com uma significativa Rede de Apoio. Em momento de muita tensão e pressão por despejo, o geólogo Dr. Carlos von Sperling fez laudo consistente e imparcial demonstrando que a Comunidade Vila da Conquista não está sob risco geológico, pois as moradias estão construídas com fundações profundas.

Mais uma vitória da luta coletiva, mas ainda teremos outras batalhas até a vitória definitiva. União e organização da Comunidade seguem sendo imprescindíveis, pois já vimos despejos acontecerem em comunidades que se desorganizam e se desunem.

Assinam esta Nota:

Coordenação da Ocupação-Comunidade Vila da Conquista

Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB)

Comissão Pastoral da Terra (CPT-MG)

Belo Horizonte, MG, 13 de abril de 2023.

Obs.: Segue, abaixo, anexado, na ÍNTEGRA o Agravo de Instrumento (Recurso apresentado contra o despejo) e a Decisão do desembargador Dr. Newton Teixeira, suspendendo o despejo da Ocupação-Comunidade Vila da Conquista em BH-MG. Decisão justa e ética.


[1] Cf. https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2016/2016-04-19_15-43_Confirmada-decisao-que-negou-reintegracao-de-posse-contra-bairro-de-Uberaba.aspx


[1] Cf. https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2016/2016-04-19_15-43_Confirmada-decisao-que-negou-reintegracao-de-posse-contra-bairro-de-Uberaba.aspx

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Ocupação Vila da Conquista, Ventosa em BH/MG: 130 famílias, 8 anos, totalmente consolidada. Despejo?

2 – STJ proíbe despejo de Comunidades Consolidadas como Ocupação Vila da Conquista no Ventosa em BH/MG