“Digamos juntos, de coração: Nenhuma família sem-casa, nenhum camponês sem-terra, nenhum trabalhador sem-direito.” (Papa Francisco)

Digamos juntos, de coração: nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direito.” (Papa Francisco). Por Luzia Alane Rodrigues[1]

Entre os dias 06 a 10 de Junho de 2022, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) visitou as Comunidades do Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas, no norte de Minas Gerais, numa missão com o objetivo de ouvir o clamor das famílias, sobre a violação de direitos que historicamente essa região do sertão norte mineiro vem sofrendo de forma recorrente e contínua.

Numa articulação conjunta construída pela FIAN Brasil, Comissão Pastoral da Terra (CPT), MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), Coletivo Margarida Alves, mandatos políticos vários e parceiros e apoiadores. Essas forças vivas que apoiam e acompanham as Comunidades Geraizeiras saíram em missão pelas grotas do sertão norte mineiro para ouvir, discutir, propor e encaminhar as denúncias de violações de direitos que angustiam as comunidades.

 Memória da luta e resistência do povo Geraizeiro

Entre as décadas de 1970 a 1980, empresas de diversos ramos econômicos apoiados pelo Estado com um discurso neodesenvolvimentista de ocupar os “vazios geográficos” e promover o desenvolvimento econômico da região, se apropriaram das chapadas e expulsaram as famílias que ali viviam. Ignorando o modo de vida tradicional das comunidades que habitavam a região e que tradicionalmente usavam de forma comum as chapadas ou tabuleiros. O Estado e as diversas empresas pregavam que existia ali um “vazio geográfico”, ou seja, eram áreas desabitadas, desconsiderando a existência dos Povos e Comunidades Tradicionais. Dessa forma, com a chegada desses empreendimentos, os mesmos destruíram grande parte dos bens naturais do bioma cerrado, num processo extremamente violador de direitos, que acarretou em danos irreparáveis ao meio ambiente e as Comunidades Tradicionais Geraizeiras da região. Com a perda do domínio de grande parte do território sobrevieram as consequências para as comunidades Geraizeiras e o meio ambiente, como o secamento das nascentes; perda da liberdade e o encurralamento das famílias nas grotas; perda das áreas de solta de gado; diminuição das áreas de cultivo agrícola; as migrações sazonais para serem boias-frias em monoculturas da cana e do café, dentre outras. Mesmo com essa situação adversa as Comunidades Geraizeiras guardam traços e laços socioculturais e econômicos que remetem às suas origens.

O objetivo dessa missão foi produzir um relatório que trará as diversas violações de direitos sofridas pelas comunidades e por fim encaminhá-las para os diversos órgãos do Estado que tem o dever legal de proteger esses povos. Foram realizadas reuniões nos três núcleos do Território,  no núcleo do Tingui nas comunidades de: Bosque, Bosquinho e no Tingui, no núcleo de Josenópolis nas comunidades de Retiro e Curralinho e no núcleo do Lamarão nas comunidades de Miroró e Lamarão.

Dentre as principais denúncias apresentadas destacamos a grilagem de terras, a luta pela regularização do território, a monocultura de eucalipto, contaminação das águas e do ar por agrotóxicos, falta de políticas públicas de acesso ao saneamento básico, estradas e acesso à saúde, secagem das nascentes, linhas de transmissão de energia, famílias criminalizadas em áreas do Parque Estadual de Grão Mogol e a ameaça da mineração pela mineradora chinesa SAM (Sul Americana de Metais).

Os desafios continuam gigantescos, as ameaças ainda se fazem presentes na vida e na luta do povo e se apresentam de variadas formas: mineração, termoelétrica, linhas de transmissão e a devastadora monocultura de eucalipto, que se estende por grandes extensões das chapadas, formando um imenso deserto verde. Entretanto, as famílias geraizeiras mantêm viva a utopia e a esperança e sonham que sua “terra de morada” não se torne somente “terra de negócio.” Apesar da morosidade do Estado cúmplice do grande capital, que não dá celeridade nos processos já instaurados para a regularização fundiária do território, o Povo Geraizeiro mantém viva a esperança que a regularização fundiária de seu território se torne, em breve, uma realidade que permitirá a reprodução social e cultural de seu modo de vida tradicional e, que se perpetue, para além dessa geração.


[1] Agente de Pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT do Norte de Minas).

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Geraizeiros exigem anulação da Resolução do Governo de MG sobre Consulta Prévia Livre e Informada

2 – Denúncia: Ameaças de morte para Adair Pereira (Nenzão) e Marlene Geraizeira do norte de MG – 20/7/21

3 – Geraizeiros: empresa RIMA S/A desmatando cerrado e ameaça secar nascentes, norte de MG – 21/12/2020

4 – Geraizeiros denunciam SAM, monocultura de eucalipto e vilipêndio de cemitérios/norte de MG. 04/11/20

5 – Aula Magna sobre Fruta de Leite, Cerrado e Geraizeiros e luta contra monocultura do eucalipto em MG.