CPT-MG: Proibir o trabalho de 10.000 carroceiros/as em Belo Horizonte violenta a dignidade humana e atende aos interesses de grandes empresas de caçamba.

CPT-MG: Proibir o trabalho de 10.000 carroceiros/as em Belo Horizonte violenta a dignidade da pessoa humana e atende aos interesses de grandes empresas de caçamba.

OFÍCIO CPT/MG – Nº. 001/2021

Para: Exmo. Sr. Prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil

De: Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)

SOLICITAÇÃO DE VETO AO PROJETO DE LEI 142/2017, QUE PROÍBE O TRABALHO DOS/AS CARROCEIROS/AS EM BELO HORIZONTE, MG.

CPT/MG recomenda veto ao PL 142/17 em Belo Horizonte: proibir o trabalho de 10 mil carroceiros/as violenta a dignidade da pessoa humana e atende aos interesses de grandes empresas de caçamba.

Como Organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG) tem a missão de acompanhar pastoralmente a luta dos camponeses e das camponesas para que aconteça justiça agrária e socioambiental. No meio dos camponeses e camponesas estão os Povos e as Comunidades Tradicionais, uma das prioridades na missão da CPT. Por isso a CPT/MG vem a público RECOMENDAR ao Senhor Prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que vete o Projeto de Lei 142/17, por vários motivos, entre os quais destacamos:

O PL 142 é uma expressão de racismo institucional e estrutural que permeia a guerra contra os pobres, pois matará aos poucos milhares de famílias que sobrevivem com o trabalho em carroças. O PL 142 é inconstitucional, porque viola os artigos 215 e 216 da Constituição Federal que garantem a diversidade cultural e também viola e desconsidera os tratados internacionais tais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização das Nações Unidas (ONU), que protegem os Povos e Comunidades Tradicionais. A Comunidade carroceira é Povo Tradicional, em Belo Horizonte, já com Auto-Declaração formalizada, o que confere valor jurídico. A construção das cidades, mesmo as mais recentes, incluindo Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, não teria sido possível sem o apoio contínuo dos/as carroceiros/as, transportando gêneros alimentícios para os operários, bagagens e mobiliário para os primeiros moradores, além de material de construção e de obras trazidos das estações dos trens.

Se sancionado o PL 142, a proibição do trabalho dos/as carroceiros/as causará uma tragédia socioeconômica na capital mineira, pois todos os bairros fora do perímetro da Avenida do Contorno, com exceção daqueles enriquecidos, necessitam do trabalho dos/as carroceiros/as, que têm uma função social imprescindível na cidade. Os bairros de classe baixa, populares e periferias não têm condições de pagar caçamba para recolher pequenas quantidades de resíduos, pois o custo é elevado e assim sendo a existência dos/as carroceiros/as ajuda a baixar o preço das caçambas. Nos bairros periféricos, em muitos lugares, não é possível um caminhão caçamba chegar, por causa de ruas estreitas, íngremes ou becos. Enfim, o PL 142 atende, dentre outros, ao lobby das grandes empresas de caçamba e matará aos poucos os cavalos e as famílias de cerca de 10 mil carroceiros/as existentes em BH e na RMBH. Este número é estimado já que não foi feito ainda um censo que contemple esta categoria na região. A partir de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de 2010, estima-se a existência de 10 mil carroceiros/as em BH e Região Metropolitana. Como é possível proibir o trabalho dos/as carroceiros/as sem um censo, sem saber quantos são e qual sua realidade?  Sem os carroceiros/as, o preço das caçambas subirá muito, o que trará um grande impacto econômico para as famílias de classe baixa e popular.

O PL 142 tecnicamente é um absurdo, pois não existem estudos sérios que atestem a viabilidade de se substituir cavalos por motos, “cavalos de lata”, o que, além da impossibilidade técnica, aumentará a poluição sonora, do ar e o número de acidentes e mortes. Basta de uso de combustível fóssil na cidade!

A cidade que queremos passa pelo apoio aos/às carroceiros/as, que foram imprescindíveis na construção da capital mineira e de todas as cidades. O PL 142 não garante em nada “bons-tratos” aos cavalos, ao contrário, chega-se à hilariante proposta de “doação solidária”, ou seja, os melhores cavalos poderão ser adotados por pessoas ricas que, segundo alegam, teriam melhores condições de cuidar deles. Isso é cinismo, hipocrisia e covardia sem tamanho, pois, além de deixar de “mãos vazias” mais de 10 mil famílias carroceiras, sem acesso ao seu ganha-pão, ainda deverão doar seus animais para pessoas ricas.  É óbvio que existem casos de maus-tratos, mas não é a regra. Maus-tratos não se combatem só com proibição e repressão! Nos oito anos de governos municipais em Belo Horizonte, com os prefeitos Patrus Ananias e Célio de Castro, foi implementada uma Política Pública com a participação dos/as carroceiros/as, que envolvia a construção de 34 URPVs (Unidades de Recolhimento de Pequenos Volumes), emplacamento das carroças, expedição de carteirinha para os/as carroceiros/as, tudo isso em parceria com a Faculdade de Veterinária da UFMG, que vacinavam e ajudavam os carroceiros/as a cuidar dos animais. E também havia fiscalização. Porém, nos últimos doze anos, foi desmantelada esta política pública, ao que tudo indica como uma estratégia  para suprimi-la mais à frente.  Exigimos o resgate dessas políticas públicas.

Enfim, essa tentativa de criminalizar o modo de vida carroceiro é resultado de uma postura colonialista, racista, etnocêntrica e higienista que busca impor sobre toda a sociedade uma única forma de se viver as relações entre humanos e animais.

“A cidade é nossa roça! Nossa luta é na carroça!”, eis o lema dos/as carroceiros/as na capital mineira. Apoiamos este segmento social na luta por políticas públicas sérias e idôneas, com participação popular e respeito aos modos de ser, viver e trabalhar das comunidades tradicionais das quais os/as carroceiros/as fazem parte. Jesus entrou em Jerusalém montado em um jumento como sinal de quem o exercício do poder precisa ser para atender o povo nas suas necessidades. Na Bíblia, há a narrativa da burrinha de Balão sendo profetisa. Fazemos ecoar aqui o canto de Luiz Gonzaga: “Respeite o jumento” e os/as carroceiros/as no seu modo de ser e de existir. Não adianta alegar que a Policia Militar (PM) cuida bem dos cavalos da cavalaria, porque além dos suspeitos treinamentos, que podem ser a duras penas, “cuidam bem dos cavalos, mas para fazer maus-tratos a outros: os pobres e negros das periferias que são tratados pior do que aos animais”. Qual o ritmo humano para a cidade que queremos: o ritmo lento dos cavalos que garante trabalho, renda e dignidade ou a correria dos automóveis e das pessoas com o ritmo frenético, agressivo, poluente e excludente baseado nos combustíveis fósseis? Essa luta é justa e dela ninguém pode se omitir.[1]

Belo Horizonte, MG, 14 de janeiro de 2021

Atenciosamente,

     Assina este Ofício-RECOMENDAÇÃO:

Coordenação da Comissão Pastoral da Terra – CPT/MG