Acorda Minas: o que está por trás da decisão do Copam que deferiu licenças ambientais para mais uma mineração na Serra do Curral em BH e Nova Lima, MG?

Acorda Minas: o que está por trás da decisão do Copam que deferiu licenças ambientais para mais uma mineração na Serra do Curral em Belo Horizonte e Nova Lima, MG? Por Vinícius Papatella Padovani, Mestre em Direito e Cientista Socioambiental

Conheci o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) em 2007, na qualidade de estagiário em Direito na Diretoria de Apoio aos Órgãos Colegiados, que por sua vez estava submetido a Superintendência de Atos Autorizativos e Licenciamento Ambiental. À frente da Secretaria Estadual estava o já Ministro do Meio Ambiente (2002-2003), José Carlos Carvalho que chefiou o SISEMA-MG de 2003 até 2010. A partir daí essa pasta do executivo teve seis Secretários: Adriano Magalhães (2011 até abril de 2014), Alceu Torres Marques (2014-2015), Sávio Souza Cruz (2015 até maio/2016), Jairo Isaac (maio/2016 até nov/2017), Germano Gomes Vieira (nov/2017 até set/2020), e Marília Carvalho de Melo, empossada em setembro de 2020 pelo governador Romeu Zema e atualmente no cargo.

Cada um deles liderou caminhos perigosos – com traços em comum, é verdade – na tal sustentabilidade ambiental do Estado aliada ao desenvolvimento econômico. Em outro texto tratarei desses casos passados, porque um segundo fato relevante e inconteste é que durante muito tempo uma multidão de pessoas não se voltava para uma reunião de Câmara Especializada do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), como aconteceu na última sexta-feira para sábado com a Câmara Minerária (CMI).

A decisão proferida na 86ª Reunião Ordinária, às 03h15 do dia 30 de abril de 2022, de uma reunião que foi aberta às 09h00 do dia anterior, abriu a porteira para uma nova amputação da Serra do Curral através de um procedimento administrativo de licenciamento ambiental marcado por ilegalidades e questões polêmicas – no geral, há algum tempo questionadas por ambientalistas, entidades socioambientais e grupos de pesquisas. Inclusive pelo Ministério Público (MPMG) que em 03/12/2020, acionou a justiça por nove promotores de justiça que assinam uma Ação Civil Pública em face do Estado de Minas Gerais para defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Sob  o número 5167414-28.2020.8.13.0024, tramita na 4ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte e aguarda, desde 16 de fevereiro de 2022, o seu julgamento.

Esta ação denuncia o déficit de representatividade da sociedade civil no Conselho, votações direcionadas e pré-estabelecidas pela SEMAD além da falta de conhecimento técnico de membros que continuam a caracterizar a instância, “e, assim, perpetuar o viciado sistema de decisões pró-mineradoras”, afirmou o MPMG na sua petição de 2020. Os promotores indicam que a partir de abril de 2020 houve modificação da composição das câmaras técnicas do COPAM mediante atos unipessoais do então Secretário (Germano Vieira) que atuou decisivamente para restringir a participação democrática em processos decisórios de licenciamento ambiental no estado, uma vez que a presença de entidades do terceiro setor nos conselhos somente serve para conferir ar de legitimidade às decisões que invariavelmente são favoráveis ao domínio produtivo”, com votações sempre com placares de 10×2 ou 9×3 em favor dos projetos e empreendimentos minerários.

Naturalmente, para quem acompanha a “cena”, diriam os mais jovens, o desfecho da reunião que concedeu Licença Prévia + Licença de Instalação à Tamisa era esperado dado o histórico de irregularidades e inconformidades do COPAM que não tem nada de composição paritária, em especial na CMI.

Talvez por isso a Superintendência de Projetos Prioritários (SUPPRI/SEMAD) e oito (de doze) conselheiros ignoraram por completo todo e qualquer argumento que sugeria  o indeferimento do parecer único da SEMAD: não foi suficiente que os pareceres técnicos das entidades Fundação Relictos, Associação Promutuca, Instituto Cordilheira, Instituto Guaycui e grupo HOU apontassem dezenas de fatos, argumentos técnicos e jurídicos que justificavam a retirada de pauta do PA SLA 128/2020, seja para baixa em diligência ou para que o procedimento fosse submetido ao devido controle de legalidade. Todos esses pedidos foram rejeitados pelo presidente da CMI.

Montou-se o cenário e iniciaram os trabalhos já com a decisão tomada. Porém, o rito legitimador da “participação” precisava acontecer. Ao final de dezoito horas de reunião, oito conselheiros votaram a favor das licenças à Tamisa, sendo que cinco deles, como de costume, somente estão ali para o quórum de abertura, para se elogiarem mutuamente, concederem tempo extra de cinco minutos aos inscritos que solicitarem e proferirem suas decisões já definidas antecipadamente a qualquer discussão técnica e do mérito pelo conselho. Servem para dizer ao final “acompanho o parecer único da Semad”. E foi assim com o destino da Serra do Curral.

Para quem observa este espaço há mais de uma década, é triste a rotina dessa instância decisória que colonialmente decide o futuro de comunidades, territórios e de patrimônios naturais, culturais, arqueológicos e paisagísticos como a nossa Serra do Curral, que apenas pelo fato de estar em processo de tombamento no nível estadual não deveria ter sido alvo de licenciamento neste momento, conforme clamor popular e manifestações técnicas diversas dirigidas a equipe da SUPPRI, liderada pelo Sr. Rodrigo Ribas que se mostrou disposto a ir até 06h da manhã caso fosse preciso. Parecia até que havia um compromisso firmado com os interessados na licença que se presume, temem  o tombamento estadual. O resultado da votação já tomou os noticiários, nas  redes sociais estão circulando os nomes e fotos dos conselheiros que aprovaram as licenças. Charges e memes também.

Em 2018, escrevi um texto com um colega que comigo passou a observar, desde 2011, o Sistema de Meio Ambiente Estadual. O título do artigo é “O Estado de Direito ameaçado pela Governança Ambiental: uma leitura aplicada à política ambiental mineira”. Abordamos as noções de campo e justiça ambiental para argumentar que a lógica da governança ambiental em Minas Gerais constitui-se uma ameaça ao Estado de Direito. Para sustentar a hipótese cuidamos de apresentar os fundamentos e alicerces do que se entende por Estado de Direito Ambiental, para então argumentar como os principais instrumentos da gestão territorial-ambiental, em regra, têm contribuído para constituição de um Estado de Direito Ambiental de aparência, assim como ocorre com o Direito Penal (se aplicado à seara Ambiental) que em seu formato atual é um instrumento inadequado para controlar situações problemáticas ou promover a ampla prevenção de situações perigosas. Isso porque ao observamos casos concretos em andamento – projetos de empreendimentos em fase de licenciamento ambiental – e considerando a trajetória de constituição das agendas ambientais interna e internacional ancoradas nos conceitos desenvolvimento sustentável e consenso, indagávamo-nos com frequência se sob este molde, um sistema legal de proteção de meio ambiente (art.225 CF/88) com meios constitucionais para sua tutela e princípios ambientais assegurados inclusive na ordem econômica (art.170 VI CF/88) e urbanística (art. 182 CF/88) é ou não é suficiente para a efetivação de um Estado de Direito com propósitos tão nobres e sensíveis à justiça?

Neste caso do licenciamento ambiental da Tamisa nas Serras do Taquaril e do Curral, pela CMI/SUPPRI/COPAM/SEMAD, a participação popular serviu para legitimar a “rito” nada “democrático” a partir da despolitização do debate posto pelos mais de duzentos inscritos e pelos pareceres técnicos apresentados e desconsiderados. É por essa relação parasitária da governança ambiental (e de seus agentes) em torno do direito ao meio ambiente que se percebe a derrota da efetividade e da eficácia normativa para a adequação de interesses mediante a flexibilização de normas e regras com vistas a aprovar todo e qualquer projeto de mineração que seja posto em análise pela CMI do COPAM. Nem mesmo o Pico Belo Horizonte escapou desse rolo compressor. É preciso fazer alguma coisa para pará-lo.

Belo Horizonte, 01/05/2022

Obs.: O que Vinícius Papatella narrou acima é REGRA e não exceção. Veja abaixo mais alguns exemplos.

A Serra da Piedade gera vida; a CMI/COPAM e as mineradoras, morte! Por frei Gilvander Moreira[1]

O dia 22 de fevereiro de 2019 entrará para a História como o dia em que o Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), do Governo de Minas Gerais, por meio da Câmara de Atividades Minerárias (CMI), autorizou mais um crime hediondo: a concessão de Licença Prévia concomitante com a Licença de Operação para a mineradora AVG Empreendimentos Minerários Ltda. minerar na Serra da Piedade com lavra a céu aberto com tratamento úmido, ou seja, crucificar no altar do ídolo mercado a Serra da Piedade, patrimônio histórico, natural e religioso de mineiros e brasileiros, sede da Basílica de Nossa Senhora da Piedade, padroeira do estado de Minas Gerais. Vi e dou testemunho que, exceto Maria Teresa Corujo (Teca), representante do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (FONASC-CBH); Júlio César Dutra Grillo, representante do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA/MG), e Adriana Alves Pereira Wilken, representante do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), os conselheiros da CMI/COPAM estão atrelados aos interesses do capital e à ganância sem fim das mineradoras. Estão surdos a todos os argumentos sensatos e chegam à reunião já para cumprir ordens dos grandes interesses econômicos para licenciar todos os projetos reivindicados pelas mineradoras. Na CMI/COPAM acontece um jogo de cartas marcadas, pois entre os doze conselheiros, apenas uma representa a sociedade civil. Nove conselheiros representam o Governo de Minas Gerais e entidades parceiras das mineradoras: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SEDECTES), Secretaria de Estado de Governo (SEGOV), Secretaria de Estado de Casa Civil e de Relações Institucionais (SECCRI), Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (CODEMIG), Agência Nacional de Mineração (ANM), Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (SINDIEXTRA), Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais (FEDERAMINAS) e Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA). Com essa composição nada democrática, o resultado é sempre o mesmo: aprovam todos os projetos pleiteados pelas mineradoras que estão causando um colapso nas condições de vida do povo, dos biomas, matando os rios e espalhando terror psicológico sobre milhares de famílias que moram abaixo de barragens de lama tóxica das mineradoras. A composição da CMI/COPAM demonstra que o Estado de Minas Gerais está de mãos dadas com as grandes mineradoras, insistem em um projeto de “desenvolvimento” que na prática gera subdesenvolvimento e imensa injustiça socioambiental.

No auditório que fica no mezanino da Rodoviária de Belo Horizonte, com lotação para 120 pessoas, a reunião extraordinária da CMI/COPAM aconteceu das 9 horas às 17h30. A mineradora AVG trouxe dezenas de trabalhadores que chegaram cedo e ocuparam boa parte das cadeiras disponíveis. Dezenas de pessoas das comunidades, católicos/as e aliados/as da Serra da Piedade não foram autorizadas a entrar no auditório porque boa parte já estava cheia de trabalhadores da mineradora. Estratégia sempre usada pelas grandes mineradoras: lotam as cadeiras disponíveis para dificultar ainda mais a participação popular. Também uma grande lista de empregados inscritos para falar destina-se a consumir tempo e energia dos verdadeiramente interessados em participar e contribuir. Escravos da mineração, esses trabalhadores não percebem que os poucos empregos que as mineradoras oferecem custam muito sangue, pois geram violência social, desemprego na região, prostituição, gravidez precoce, dizimam as nascentes de água e os lençóis freáticos, poluem tudo, entopem as estradas de carretas de minério que matam muita gente no trânsito e ainda geram muitos problemas de saúde pública. Enfim, deixam a terra arrasada após minerar tudo que querem. Os municípios viviam e vivem muito melhor antes da chegada das mineradoras. Com as mineradoras chega devastação socioambiental. Para manter ares de idoneidade, no início da reunião se tocou o Hino Nacional e se fez um minuto de silêncio pelos mortos pelo crime tragédia da mineradora Vale, com a cumplicidade do Estado, a partir do rompimento de barragens com lama tóxica, em Córrego do Feijão, Brumadinho, dia 25 de janeiro de 2019, às 12h28.

Durante mais de oito horas de reunião, as únicas conselheiras e conselheiro da CMI/COPAM que usaram a palavra para argumentar inúmeras vezes foram Maria Teresa Corujo (Teca), do FONASC-CBH; Júlio Grillo, do IBAMA/MG, e Adriana Alves Pereira Wilken,  do CEFET-MG. Todos os outros conselheiros da CMI/COPAM, salvo alguma palavra aqui ou ali, ficaram em silêncio o tempo todo, muitas vezes bocejando ou olhando no celular. Os argumentos apresentados durante sete horas pelas duas conselheiras acima referidas, pelo conselheiro do IBAMA e por dezenas de pessoas que falaram cada um/a, de 5 a 10 minutos, ao microfone, não foram ouvidos pelos conselheiros representantes do Governo de Minas Gerais e de entidades ligadas às grandes mineradoras que votaram a favor da reabertura de mineração na Serra da Piedade: 1) da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SEDECTES); 2) da Secretaria de Estado de Casa Civil e de Relações Institucionais do Governo de Minas Gerais (SECCRI); 3) da Secretaria de Estado de Governo (SEGOV); 4) do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM); 5) do Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais  (SINDIEXTRA), 6) da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais (FEDERAMINAS); e 7) do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (CREA-MG). Votaram contra reabrir mineração na Serra da Piedade: Teca, do FONASC-CBH; Júlio Grillo, do IBAMA/MG; e Adriana, do CEFE/MG. Abstiveram-se os conselheiros da ANM (Agência Nacional de mineração) e da CODEMIG. Assim, com sete votos favoráveis, as Licenças Prévia e de Instalação foram concedidas à mineradora AVG para reabrir mineração na Serra do Piedade, em Caeté: mais um crime hediondo e socioambiental autorizado pelo Estado de Minas Gerais em conluio com os megainteresses econômicos das grandes mineradoras que só sabem servir ao ídolo mercado e, como dragão do Apocalipse, deixar um rastro imenso de devastação socioambiental. Enfim, perdemos mais uma batalha, mas não perderemos essa luta necessária, justa e legítima que é salvar a Serra da Piedade da ganância dos capitalistas. Conclamamos todas as pessoas de boa vontade e as forças vivas da sociedade a se somarem na luta pela anulação dessa decisão injusta, inconstitucional e imoral da CMI/COPAM.

Veja outras brutalidades já licenciadas pelo COPAM, CMI e Governo de MG:

1 – http://gilvander.org.br/site/%ef%bb%bfsupram-e-cmi-aprovam-licenca-para-que-mineradora-canadense-avance-sobre-as-comunidades-atingidas-em-riacho-dos-machados-no-norte-de-mg/

2 – http://gilvander.org.br/site/%ef%bb%bfteca-licenciamento-de-mineracao-na-serra-da-piedade-em-caete-mg-nao-pode-caminhar-cmi-copam-belo-horizonte-mg-22-2-2019/

3 – http://gilvander.org.br/site/governo-de-mg-esteriliza-e-amordaca-consulta-previa-live-e-informada-dos-povos-tradicionais-por-frei-gilvander/