É JUSTO E NECESSÁRIO CRIAR RDS CÓRREGOS POÇÕES-TAMANDUÁ-PEIXE BRAVO NO NORTE DE MINAS GERAIS? – Por frei Gilvander Moreira[1]
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está na Constituição, no Art. 225 que diz: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Há mais de vinte anos, Povos e Comunidades Tradicionais Geraizeiras, assentados da Reforma Agrária e Quilombolas reivindicam a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Córregos Poções-Tamanduá-Peixe Bravo, no norte de Minas Gerais nos municípios de Riacho dos Machados (82% da RDS = 44% da área do município), Rio Pardo de Minas (apenas 11% da RDS = 2% da área do município) e Serranópolis (8% da RDS = apenas 6% da área do município). Dias 25 e 25 de abril último (2025) aconteceram Consultas Públicas em Riacho dos Machados na Comunidade Quilombola de Peixe Bravo e na Comunidade Geraizeira de Córrego Verde.
Foram Consultas Públicas tensas, pois de um lado Comunidades Tradicionais e Quilombolas defenderam com ética, ternura, mística, poesia a necessidade da criação da RDS Córregos Poções-Tamanduá-Peixe Bravo, mas por outro lado, pessoas representando interesses de mineradoras, do agronegócio da monocultura do eucalipto e de políticos de extrema-direita se posicionaram contra a criação da RDS de uma forma muito agressiva, com vaias estridentes que violaram o direito de livre expressão e tentaram intimidar quem se posicionava a favor da RDS.
Considerando os Direitos dos Povos e das Comunidades Tradicionais inscritos na Constituição Federal, na Convenção 169 da OIT[2] da ONU[3], a emergência climática com eventos extremos cada vez mais frequentes e letais, o avanço brutal das mineradoras, que onde se instalam causam brutal devastação socioambiental (Veja a violência brutal imposta aos municípios minerados, tais como Mariana, Brumadinho, Itabira, Conceição do Mato Dentro, Paracatu, Araçuaí, Barão de Cocais…), a escassez hídrica crescente, a poluição das águas, a extinção de nascentes, tudo em progressão geométrica, a responsabilidade socioambiental e geracional, temos que dialogar sobre vários pontos para que a verdade prevaleça e o bem comum seja o rumo orientador e não o ódio, a intolerância e os interesses egoístas de uma minoria que se beneficiam com a devastação imposta pelos brutais projetos de mineração e da monocultura do eucalipto que desertifica os territórios e dizima a exuberância de biodiversidade ainda resistente nos cerrados e serras dos Córregos Poções, Tamanduá e Peixe Bravo.
Importa recordar que o rio Peixe Bravo deságua/irriga o rio Vacaria, que deságua no rio Jequitinhonha. Ou seja, se não for preservada a região dos Córregos Poções, Tamanduá e Peixe Bravo, o já tão agredido rio Jequitinhonha terá sua morte antecipada.
Diante de informações falsas e distorcidas que interessam à mineradora Vale e outras mineradoras, aos agronegociantes da monocultura do eucalipto e a políticos de extrema-direita que se beneficiam com a exploração da Natureza e dos Povos, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) divulgou Nota Pública[4] e nas Consultas Públicas apresentou em que consiste uma RDS: benefícios, o que pode, importância, limites…
Diz o ICMBio: “A proposta de criação da RDS Córregos Tamanduá-Poções-Peixe Bravo foi reivindicada pelo movimento Geraizeiro na década de 1990, para a proteção dos campos gerais (Cerrado), das cabeceiras de Rio (áreas de recarga hídrica) e do modo de vida tradicional das Comunidades Geraizeiras no norte de Minas Gerais. Posteriormente, a Comunidade do Quilombo de Peixe Bravo – já reconhecida pela Fundação Palmares -, cujo território já foi indicado em Estudo Antropológico, mas ainda não foi demarcado, aderiu à mesma reivindicação, visando incorporar seu território na RDS Córregos Tamanduá-Poções-Peixe Bravo, para também proteger seus recursos naturais e modo de vida. Ambas as Comunidades sofrem pressão de atividades econômicas, em especial setores produtivos (mineradoras e monocultura do eucalipto), tanto lícitas quanto ilícitas, que ameaçam seus modos de vida e os recursos naturais presentes nos seus territórios.”
“A RDS é uma categoria de Unidade de Conservação que pode garantir esta proteção ambiental reivindicada sem impactar ou restringir o modo de vida tradicional destas comunidades. As atividades ali já praticadas por diversas gerações têm se mostrado totalmente sustentáveis e protetoras da natureza. RDS não é Parque. Agricultura familiar, solta de gado, coleta de frutos e outras espécies no Cerrado e na Mata, são totalmente compatíveis e permitidas em uma RDS. Toda a infraestrutura necessária para as comunidades incluindo casas, currais, escola, hospital, estradas, casas de farinha, indústrias para beneficiamento de frutas, entre tantas outras possibilidades também são permitidas em uma RDS.”
“São permitidas também propriedades tituladas, posses e a titulação no interior da RDS. Contudo grandes fazendas ou propriedades em desacordo com os objetivos da RDS e com o modo de vida das populações tradicionais podem ser indenizadas e desapropriadas pelo ICMBio para uso coletivo da comunidade.” Um presidente de Sindicato Rural tentou induzir proprietários de terra a se posicionarem contra a RDS alegando que no projeto da RDS está facultada a possibilidade de desapropriação de fazendas. No entanto, ele omitiu que segundo a Lei Geral de Desapropriação (DECRETO-LEI Nº 3.365, de 21/06/1941) qualquer propriedade no Brasil, no campo ou na cidade, por interesse público, pode ser desapropriada pelo presidente, ou governador ou prefeito. Não está mais vigente no Brasil a Constituição Imperial de 1824 que garantia direito absoluto à propriedade. Segundo a Constituição Federal de 1988, toda propriedade deve cumprir sua função social, senão poderá ser desapropriada, após se declarar interesse público sobre ela, independente de estar dentro ou fora de uma RDS.
Diz o ICMBio: “A gestão da RDS é feita de forma compartilhada com as comunidades por meio de um conselho deliberativo. A RDS Córregos Tamanduá-Poções-Peixe Bravo não prevê Zona de Amortecimento (ZA) se limitando ao território indicado nos estudos e mapas.”
Esta RDS é imprescindível para garantir os modos de vida das comunidades tradicionais em sinergia com o bioma Cerrado. No Brasil, esta RDS proposta é a única unidade de conservação em vias de implementação pelo governo federal no cerrado, bioma mais devastado e ameaçado nacionalmente. A área em questão é de relevância nacional e é preciso que todo o país se empenhe na demarcação desse território como Reserva de Desenvolvimento Sustentável!
O desenho da RDS garante a valorização das Comunidades Tradicionais e a conservação do Cerrado. Além disso, a área garante a preservação do último geosistema de canga ferruginosa no Brasil que não foi explorado pela mineração. A conservação dessas áreas de cangas garante o volume e a qualidade de água para as comunidades, alimentando os rios Peixe Bravo, Vacaria e Jequitinhonha. Permitir a mineração e o avanço da monocultura extensiva de eucalipto nessa região vai colocar todo esse território, com sua rica sociobiodiversidade, em risco cada vez mais grave.
A criação desta RDS é desejada e almejada por quem quer proteger o seu território da devastação que as mineradoras, empreendimentos agropecuários, extensas plantações de eucalipto e todas as outras formas de avanço do capitalismo superexplorador.
No norte de Minas Gerais, a RDS Nascentes Geraizeiras, que acaba de completar 10 anos, é um excelente exemplo do sucesso dessa modalidade de Unidade de Conservação. “O que a gente quer é proteger o nosso modo de vida nas comunidades, com a nossa água limpa e pura, proteger os nossos rios e as nossas nascentes que são ameaçados por grandes projetos que não são benéficos para as comunidades“, diz uma das lideranças do Quilombo Peixe Bravo.
Com a brutal devastação ambiental em curso, os municípios que tiverem RDS ganharão um ativo ambiental que lhes renderão muito em ICMS ECOLÓGICO[5], em desenvolvimento de políticas públicas de ecoturismo comunitário, pesquisa científica etc. O ICMS ECOLÓGICO, instituído no estado de Minas Gerais pela Lei Estadual nº 18.030 de 2009, é um critério ambiental que visa distribuir uma parte da arrecadação do ICMS para os municípios que tem Unidades de Conservação, como RDS, com base em suas ações e investimentos na área ambiental.
Nas Consultas Públicas coordenadas pelo ICMBio foi emocionante ver as comunidades recordando o ensinamento e o testemunho do padre Ernesto de Freitas e do papa Francisco que evidenciam que há dois projetos em disputa, um de vida e outro de morte. Defender a implantação da RDS Córregos Poções-Tamanduá-Peixe Bravo é defender as condições de vida para as atuais e futuras gerações e para toda a biodiversidade. Por outro lado, apoiar o avanço de mineração e de monocultura do eucalipto levará à desertificação da região com consequências brutais para todo o norte e o Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais.
Portanto, em nome da vida dos Povos, do Deus da vida e dos Direitos da Natureza, a implantação da RDS Córregos Poções-Tamanduá-Peixe bravo não é apenas uma boa e justa proposta, mas se tornou uma necessidade para frearmos a avalanche de devastação socioambiental. Ninguém tem o direito de ser egoísta quando o bem comum está em jogo. RDS, já!
07/05/2025.
Obs.: As videorreportagens no link, abaixo, de alguma forma VERSAM sobre o assunto tratado, acima.
1 – AUDIÊNCIA PÚBLICA DO ICMBio: CRIAÇÃO DE RDS DE POÇÕES, TAMANDUÁ E PEIXE BRAVO, NORTE DE MG. Vídeo 1
2 – DEP. BELLA E GERAIZEIROS APOIAM CRIAÇÃO DA RDS POÇÕES, TAMANDUÁ E PEIXE BRAVO, NORTE DE MG. Vídeo 2
3 – Dep. LENINHA APOIA CRIAÇÃO DA RDS DE POÇÕES/TAMANDUÁ/PEIXE BRAVO, MG. ICMBio: O QUE É RDS? Vídeo 3
4 – ICMBio: QUE É RDS, ONDE, CARACTERÍSTICAS, COMO FUNCIONA E QUAIS BENEFÍCIOS, no NORTE DE MG. Vídeo 5
5 – Dep. LELECO, Dep. LENINHA, Dep. Bella e Luzia APOIAM CRIAÇÃO DA RDS NO NORTE DE MG. VIDA! Vídeo 6
6 – FREI GILVANDER DEFENDE CRIAÇÃO DA RDS DE POÇÕES, TAMANDUÁ E PEIXE BRAVO, NORTE DE MG. VIDA! Vídeo 7
7 – RDS DE POÇÕES/TAMANDUÁ/PEIXE BRAVO, NO NORTE DE MG PRESERVA NATUREZA, POVOS E AGRICULTURA. Vídeo 8
8 – MULHERES QUILOMBOLAS E GERAIZEIRAS: “RDS de POÇÕES-TAMANDUÁ-PEIXE BRAVO, NORTE DE MG, JÁ!” Vídeo 9
9 – RDS BARRA MINERAÇÃO E MONOCULTURA DE EUCALIPTO, PRESERVA NATUREZA, POVOS E AGRICULTURA/MG! Vídeo 10
10 – RDS É COISA BOA E NECESSÁRIA NO NORTE DE MG? SIM À RDS DE POÇÕES, TAMANDUÁ E PEIXE BRAVO! Vídeo 11
[1] Doutor em Educação pela FAE/UFMG; Mestre em Ciências Bíblicas; Bacharel e Licenciado em Filosofia; Bacharel em Teologia; frei e padre da Ordem dos Carmelitas; e Agente de Pastoral e Assessor da CPT/MG (Comissão Pastoral da Terra – www.cptmg.org.br ); e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.youtube.com/@freigilvander – No instagram: @gilvanderluismoreira
[2] Organização Internacional do Trabalho.
[3] Organização das Nações Unidas.
[4] https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/criacao-de-unidades-de-conservacao/lista-de-consultas-publicas/nota-de-esclarecimento-consultas-publicas-para-a-criacao-da-reserva-de-desenvolvimento-sustentavel-rds-corregos-tamandua-pocoes-peixe-bravo
[5] O Subscritério Unidades de Conservação está regulamentado pela Resolução SEMAD 318 de 2005 e Resolução SEMAD nº 1245 de 2010, e possui como objetivo compensar os municípios que possuem áreas protegidas em seu território e incentivar a criação e implantação de Unidades de Conservação (UCs), como a RDS, além de melhorar a qualidade de gestão dessas áreas.