MANIFESTO EM DEFESA DA COMUNIDADE TRADICIONAL QUILOMBOLA FAMÍLIA ARAÚJO, DE BETIM, MG: da negra escravizada Rita Araújo até o Seo Zé Preto, uma história de resistência a muitos tipos de escravidão

MANIFESTO EM DEFESA DA COMUNIDADE TRADICIONAL QUILOMBOLA FAMÍLIA ARAÚJO, DE BETIM, MG: da negra escravizada Rita Araújo até o Seo Zé Preto, uma história de resistência a muitos tipos de escravidão

Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim, MG. Fotos: Alenice Baeta.

O Quilombo Família Araújo é a primeira Comunidade Quilombola Urbana identificada e autodeclarada em Betim, MG, em fevereiro de 2022. Seu território fica à Rua Hum, 77 a 80, no bairro Jardim Brasília, onde residem sete núcleos da família: o da matriarca Zulmira Rosa Araújo, viúva do patriarca José dos Santos Araújo (Seo Zé Preto), bem como os de seis de seus filhos e filhas com famílias constituídas.

Seo Zé Preto nasceu em Coroaci, MG, onde trabalhou na lavoura, até migrar, na juventude, para Governador Valadares, MG; ali, envolvido nas mesmas atividades, conheceu e se casou com Dona Zulmira, nascida neste Município. Não possuíam terras, sempre trabalhando como agregados em fazendas, onde também podiam cultivar seus próprios alimentos, vivendo em moradias precárias, como ranchos de sapé e até mesmo celeiros.

No final dos anos 1960, Seo Zé Preto foi forçado a migrar para regiões metropolitanas, tentando melhorias para sua família, pois tinha já esposa, dois filhos e sogra para cuidar. Em 1970, fixou-se em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, trabalhando primeiro em fazendas, depois prestando serviços a particulares no centro da cidade. Dona Zulmira trabalhava como faxineira e passadeira para famílias abastadas, enquanto trazia à luz seus outros oito filhos. Dos dez filhos do casal, dois faleceram.

Apesar de serem trabalhadores muito respeitados e mesmo disputados na cidade, Seo Zé Preto e Dona Zulmira enfrentaram graves dificuldades para sobreviver, abrigar e sustentar a família. Viveram em numerosos “barracões” alugados em diversos bairros da cidade e, em ocasiões extremas, viveram nas dependências do antigo INPS, do Cemitério Nossa Senhora do Carmo e da atual Casa da Cultura, sempre com autorização de autoridades municipais.

Seo Zé Preto foi admitido como funcionário da limpeza urbana da Prefeitura Municipal de Betim em meados de 1970 e chegou a encarregado desse setor. No início dos anos 1980, o então Prefeito Newton Amaral Franco autorizou que a família ocupasse um terreno acidentado, de 1.800m², no bairro Jardim Brasília, atrás do Hospital Regional. Foi assim que a família se “aquilombou”, ou seja, recuperou tradições ancestrais: a preservação da mata e de uma nascente, o cultivo de alimentos nos quintais, a criação de pequenos animais, como porcos, galinhas e peixes, a vida em comunidade e a proteção da matriarca, pois Seo Zé Preto faleceu em 1995. Nos quintais do Quilombo Araújo há significativa presença plantas ancestrais, ervas e árvores frutíferas: abacate, manga, banana, mamão, acerola, jurubeba, inhame, cará-da-terra, graviola, pitanga, alho, abobrinha, batata doce, goiaba, etc.

Dona Zulmira Rosa Araújo, matriarca da Comunidade Quilombola Família Araújo, de Betim, MG.

Em 2017, a Prefeitura de Betim passou a reivindicar judicialmente o território da Família Araújo, pois não lhe fora dado título de propriedade. Entretanto, considerando que a Comunidade Quilombola já ocupa o terreno há quase 40 anos, possui o direito de regularização fundiária pela Lei 13.465, de 11/07/2017 (REURBs), que tem vigência retroativa a dezembro de 2016.

A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais já ingressou na Prefeitura de Betim com o pedido para que a Prefeitura realize de forma administrativa a Regularização Fundiária do Quilombo Araújo.

Infelizmente a Prefeitura de Betim obteve judicialmente decisão que autoriza o despejo e a demolição das sete casas da Comunidade Quilombola, mas alertamos que há muitas ilegalidades, injustiças e violações de direitos nesta decisão judicial que precisa ser revista. O processo judicial que autoriza o Município de Betim a despejar e demolir as casas da Comunidade Quilombola Família Araújo não levou em consideração o caráter coletivo do litigio, nem a condição de pessoas vulneráveis envolvidas – crianças, adolescentes e idosos – o que torna nulo todo o processo, vez que em nenhum momento a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais foi intimada para atuar no processo, conforme determina a Lei. Esta decisão foi, ainda, proferida sem serem apreciadas provas fundamentais, que os membros da Comunidade Quilombola Família Araújo somente obtiveram após o “trânsito em julgado” do processo originário, tais como: a) Termo de doação da área entregue à Família Araújo no ano 2000 pelo então prefeito da cidade; b) Processo Administrativo, originário do ano de 2002 e não finalizado, que buscava o reassentamento prévio de todas as famílias da comunidade, e; c) a autodeclaração enquanto Comunidade Quilombola Família Araújo realizada em fevereiro de 2022.

Visão panorâmica da Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim, MG.

No início deste ano, ao buscar ajuda para resistir no território, a Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo encontrou aliados experientes no reconhecimento de quilombos, que nela encontraram numerosas características próprias dessas comunidades.

Dentre outras ações, foram feitas pesquisas sobre a ancestralidade da Família Araújo. Seo Zé Preto era integrante da numerosa Família Araújo, iniciada em Peçanha, MG, pela escravizada Rita de Aguiar Araújo e seus filhos, dentre eles André de Aguiar Araújo, do qual foi localizado o documento de batismo, datado ainda da vigência da escravidão no Brasil. Rita de Aguiar Araújo e seus filhos receberam seus sobrenomes da sua então “proprietária”, Rosália de Aguiar Araújo. Os afrodescendentes Araújo na atual Grande Governador Valadares, MG, são descendentes destes antigos escravizados. Já Dona Zulmira é neta de Alexandrina Severo dos Santos, indígena escravizada quando criança, também no território da Grande Governador Valadares. Alexandrina foi capturada no início do século XX, quando a escravidão já havia sido proibida no Brasil.

A Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo segue unida e organizada firme na luta pelos seus direitos e conta com uma grande Rede de Apoio. JAMAIS ACEITAREMOS DESPEJO E A DEMOLIÇÃO DE NOSSAS CASAS. “Daqui das nossas casas, nosso território, nossa Comunidade, só saímos mortos!”. Gratidão a todos e a todas que estão se somando na nossa luta. Venham nos visitar e contamos com o apoio de todas as pessoas de boa vontade e com todas as forças vivas da sociedade.

Betim, MG, 19 de abril de 2022.

Assinam este Manifesto:

1 – COMUNIDADE TRADICIONAL QUILOMBOLA FAMÍLIA ARAÚJO

2 – Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)

3 – Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Betim, MG (CDDH-BETIM)

4 – Partido dos Trabalhadores – (PT/Betim)

5 – Partido Socialista Brasileiro (PSB/Betim)

6 – Partido Socialismo e Liberdade (PSOL/Betim)

7 – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES),

8 – Comissão dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)

9 – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB)

10 – Brigadas Populares

11 – Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI-MG)

12 – Deputada Estadual Andreia de Jesus (PT na ALMG)

12 – Vereadora Bella Gonçalves (PSOL na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte)

13 – Comunidade dos Araújos

14 – Comunidade Indígena Carajá de Minas Gerais

15 – Rede de Articulação Nacional de Indígenas em Contextos Urbanos e Migrantes (RENIU)

16 – Secretaria de Meio Ambiente do PT/BH (SMAD/BH)

17 – Dra. Bárbara França, pesquisadora do Observatório das Metrópoles da UFMB

18 – Federação das Comunidades Quilombolas do estado de Minas Gerais – N’Golo

19 – Daniel Henrique de Menezes Dias Arquiteto Urbanista, pesquisador e mestrando no NPGAU/UFMG

20 – Projeto de Extensão “A luta pelo reconhecimento dos direitos fundamentais das comunidades remanescentes de quilombo” da PUC Minas

21 – Conceição Aparecida Pereira Rezende, da Comissão Executiva do PT Betim, MG

22 – Associação dos Arquitetos Sem Fronteira, Brasil

23 – Etc …

Obs.: Quem quiser assinar este Manifesto, favor enviar nome do Movimento/Entidade/Organização para o e-mail de frei Gilvander: gilvanderlm@gmail.com

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, mostra um pouco da beleza e da grandeza da COMUNIDADE TRADICIONAL QUILOMBOLA FAMÍLIA ARAÚJO, DE BETIM, MG, acima.

1 – Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim, MG, sob ameaça de despejo. Vídeo 1

2 – Veja a beleza da Comunidade Quilombola Família Araújo, Betim, MG. “Não aceitamos despejo!” Vídeo 2

3 – Em Betim, MG: Prefeito Medioli, terror dos pobres! Quilombo Araújo NÃO ACEITA DESPEJO! Vídeo 3

4 – Parecer Técnico Interdisciplinar: a verdade da autodeclaração do Quilombo Araújo, Betim/MG. Vídeo 5

5 – Na ALMG: “Da nossa Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim/MG, só saímos mortos”

6 – Ato Público e Culto na Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim/MG. Início/Vídeo 1

7 – Culto de Resistência n Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim/MG. Luta! Vídeo 2

8 – Basta de sexta-feira da Paixão em Betim, MG! Construamos Domingos de Ressurreição. Araújo! Vídeo 3

9 – “Nossa Mãe, nós e nossos filhos e netos viverão aqui no nosso Quilombo Araújo, Betim, MG”. Vídeo 4

10 – “MG é um grande Quilombo! Racismo e injustiça em Betim/MG”: Quilombo Araújo, de Betim, MG. Vídeo 5

11 – Quilombo Urbano em Betim, MG: Comunidade Família Araújo luta pelo Território” (Patrícia). Vídeo 6

12 – História do Quilombo Araújo, de Betim, MG: muita luta por moradia. Historiadora Ana Cláudia. Vídeo 7

13 – Apaixonante HISTÓRIA do Quilombo Araújo, Betim/MG. Por Historiadora Ana Cláudia Gomes/UFMG. Vídeo 6

14 – Muitas ilegalidades da decisão judicial pró despejo do Quilombo Família Araújo, de Betim/MG. Vídeo 8

15 – “Já moramos até em cemitério. Já cozinhei em empresa do Medioli”. Quilombo Araújo, Betim/MG. Vídeo 9

16 – “Éramos quilombolas e não sabíamos. Ao resgatar nossa história, Quilombo Araújo, Betim/MG. Vídeo 10