Comunidade Cigana de São Pedro, em Ibirité, MG, na iminência de despejo, clama por terreno adequado e por direitos. Nota Pública

Comunidade Cigana de São Pedro, em Ibirité, MG, na iminência de despejo, clama por terreno adequado e por direitos. Nota Pública

Há, aproximadamente, 7 anos, ocupando um terreno que estava abandonado, coberto por lixo e entulhos, a Comunidade Cigana de São Pedro, em Ibirité, região metropolitana de Belo Horizonte/MG, encontra-se sob ameaça iminente de despejo, com liminar de reintegração de posse concedida  pelo Juízo da 1ª Vara Cível de Ibirité, dia 03 de julho de 2017,  à Prefeitura do município (Processo n. 5001634-62.2017.8.13.0114), que requereu judicialmente a expulsão de Tiago Inácio Damasceno da Luz, mas pressiona para expulsar todas as 12 famílias ciganas do Acampamento de São Pedro, dia 27 de abril de 2017.  Dia 20 de abril de 2018, foi expedido o Mandado de Reintegração de Posse (despejo) para as mãos do oficial de justiça. Dia 21 de maio último (2018), foi feita audiência de tentativa de conciliação, mas a prefeitura de Ibirité não apresentou nenhuma alternativa digna para as famílias ciganas.

Constatamos várias ilegalidades na decisão que mandar expulsar as famílias ciganas e várias injustiças. Destacamos, a seguir, algumas ilegalidades. Na decisão da 1ª Vara Cível: “pedido de liminar ajuizado pelo MUNICÍPIO DE IBIRITÉ contra TIAGO INÁCIO DAMASCENO DA LUZ.” Só contra Tiago e não contra toda a comunidade. Não fala “e outros”. A prefeitura de Ibirité alegou no processo se tratar de área verde, mas a área, segundo testemunho dos vizinhos e da comunidade cigana, está abandonada e ociosa há muito tempo, servindo para entulho e bota-fora. A Comunidade Cigana está distante da beira do córrego. O terreno não estava cercado e a prefeitura não estava na posse do terreno e nem cuidando do mesmo. Logo, a prefeitura de Ibirité não tinha a posse do terreno. Não houve turbação e nem esbulho, pois a Comunidade Cigana não expulsou ninguém da área que, frisamos, estava totalmente abandonada. Estando a área sem cumprir sua função social, a Comunidade Cigana tomou posse da área sem exercer nenhuma medida de força. Logo, não houve esbulho.

O juízo da 1ª Vara Cível errou também ao falar de invasão, pois o que houve não foi invasão, mas ocupação. Invasão seria se a área estivesse ocupada e cumprindo sua função social. Aconteceu foi ocupação e não invasão. Ocupação coletiva de propriedade que não cumpre sua função social é algo legítimo e legal, como demonstrou o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Habeas Corpus 5574/SP, quando afirmou que “os sem terra, ao procederem à ocupação, não praticaram um esbulho possessório, já que eles investiam contra a propriedade alheia não dolosamente para a prática de usurpação, mas sim dominados pelo interesse de provocar a implementação da reforma agrária” (Apud COMPARATO, 2003, p. 18). O Ministro Cernicchiaro afirma que “movimento popular não caracteriza crime contra o Patrimônio. Configura direito coletivo, expressão da cidadania, visando a implantar programa constante da Constituição da República. A pressão popular é própria do Estado de Direito Democrático” (CERNICCHIARO, 1997, em decisão da 6ª Turma do STJ, dia 8 de abril de 1997, no Habeas Corpus nº 5574/SP 970010236-0). Ocupação “não pode ser confundida, identificada como esbulho possessório, ou a alteração de limites. […] Não se volta para usurpar a propriedade alheia” (CERNICCHIARO, 1997, p. 8).[1] A finalidade é outra. Ajusta-se ao ordenamento jurídico, sendo “expressão do direito de cidadania”.[2]

Outra ilegalidade afirmada pelo juízo da 1ª Vara Cível se deu ao escrever que “a área foi ocupada por particular”. Não foi por “particular”, mas por famílias de uma Comunidade Tradicional, a Comunidade Cigana, que, além dos direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, têm também direitos assegurados no Estatuto dos Povos Ciganos. Mais: a função social da propriedade aplica-se também sobre os imóveis públicos. Logo, não está dispensado às prefeituras de conferir função social aos seus imóveis.

Na iminência de ser aprovado pelo Senado Federal, pois já foi aprovado nas Comissões de Educação, de Cultura e de Esportes, o Estatuto dos Povos Ciganos valoriza a cultura, reduz a discriminação e propicia políticas públicas aos integrantes de três etnias ciganas que vivem desde 1574 no Brasil, com mais de 500 mil ciganos, distribuídas em 290 ranchos e acampamentos. Atualmente, estima-se a existência de 15 milhões de ciganos em todo o mundo. Segundo o Estatuto Cigano, as terras ocupadas pelos ciganos serão “asilo inviolável”, isto é, o Estatuto Cigano garante a inviolabilidade dos acampamentos dos ciganos: moradia dos ciganos. O poder público municipal também tem a obrigação de garantir acesso à educação, à saúde pública e segurança pública para as comunidades ciganas. As línguas ciganas passam a ser “um bem cultural de natureza imaterial”.

O texto do Estatuto dos Povos Ciganos foi elaborado pela Associação Nacional das Etnias Ciganas (ANEC) e encampado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que o protocolou no Senado. Tem como relator o senador Hélio José (Pros-DF). “É uma reivindicação muito importante e o estatuto, uma necessidade para o país. Os ciganos são numericamente expressivos e extremamente ricos culturalmente”, disse ele.

Essa ação da Prefeitura de Ibirité contradiz o compromisso assumido com a Comunidade Cigana de São Pedro de que lhes seria assegurado um local com infraestrutura adequada para sua permanência. É inadmissível essa reintegração de posse sem a oferta de outro terreno igual ou melhor ao ocupado pela comunidade cigana. Inadmissível também que a reintegração de posse tenha como objetivo a doação do terreno para duas empresas, sem garantir terreno adequado para as famílias ciganas que ali estão. O povo cigano, comunidade tradicional de cultura milenar, tem que ser respeitado na sua dignidade, nos seus direitos e deve ser tratado com o devido respeito pelo Poder Público, pelas autoridades e pela sociedade.  A Rede de Apoio, formada pelo CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva), pela CPT-MG (Comissão Pastoral da Terra), pela Associação Nacional das Etnias Ciganas do Brasil, por Advogadas e Advogadas Populares, pelo Ministério Público Federal, entre outros,   mobiliza-se em defesa da Comunidade Cigana de São Pedro.  Todo apoio e solidariedade ao Povo Cigano nessa luta por terra e por respeito aos seus direitos, à sua dignidade!

Obs.: Audiência Pública em Belo Horizonte sobre os Direitos Ciganos e seus direitos acontecerá no dia 29 de Maio de 2018, terça-feira, no espaço cultural do Acampamento Cigano Guiemos Kalons, na rua Jornalista Abrahão Sadi, n° 820, bairro São Gabriel, Belo Horizonte, a partir das 14 horas.

Assinam essa Nota Pública:

Coordenação da Comunidade Cigana de São Pedro, de Ibirité, MG;

CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva);

CPT-MG (Comissão Pastoral da Terra),

 

Referência bibliográfica.

COMPARATO, Bruno Konder. A Ação Política do MST. São Paulo: Expressão Popular, 2003.

Ibirité, MG, 26 de maio de 2018.

 

[1] Voto do ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/documento/mediado/?num_registro=199700102360&dt_publicacao=18-08-1997&cod_tipo_documento=3&formato=PDF , acesso em 04/12/2016 às 19h32.

[2] Outras decisões no mesmo sentido foram estudadas por Delze dos Santos LAUREANO (LAUREANO, 2007: 118).